Filme francês "A Garota Radiante" confronta o frescor da juventude com a realidade da vida – Culturadoria

6 de abril de 2023 Off Por admin

“A Garota Radiante”, que estreia agora nos cinemas da capital mineira, marca o début da atriz Sandrine Kiberlain atrás das câmeras

Por Patrícia Cassese | Editora Assistente

No écran, Sandrine Kiberlain começou a dar o ar da graça – e a escoar talento – no final dos anos 1980. Desde então, participou de vários filmes, muitos dos quais entraram em cartaz no Brasil. Isso tornou o rosto da francesa, hoje com 55 anos, bastante conhecido também por aqui. 

A Garota Radiante. Sandrine Kiberlain.

Para citar alguns exemplos, Sandrine foi uma das professoras do encantador “O Pequeno Nicolau” (2009), de Laurent Tirard. Da mesma forma, fez o espectador torcer o nariz na pele da aristocrática personagem de “As Mulheres do 6º Andar” (2011), de Philippe Le Guay.

Além disso, no streaming, também é possível encontrar boas produções que trazem o nome dela no elenco. “Um Doce Refúgio” (2015), de Bruno Podalydès, que está no Now.

A virada de programação das salas de exibição, que acontece às quintas-feiras, oferece agora ao público a oportunidade de conferir outra faceta de Kiberlain. Em “A Garota Radiante” (“Une Jeune Fille Qui Va Bien”, 88 minutos), ela assume não só a direção, como a autoria do roteiro. E não, desta vez, Sandrine não dá as caras como atriz.

Assim, neste début do tal “outro lado” das câmeras, Kiberlain optou por se conectar a um episódio sombrio da história da França: a Ocupação Alemã, ocorrida a partir de 1940. No caso, a narrativa do filme se localiza no ano de 1942.

Em entrevistas à imprensa europeia, a neófita diretora enfatizou que foi uma opção não delimitar de maneira evidente o recorte temporal da narrativa nos primeiros minutos. O espectador certamente vai gastar um tempo para se situar temporalmente, inclusive pelo fato de os figurinos e cenários não remeterem a uma única época.

Assista ao trailer de “A Garota Radiante”.

Joie de vivre

A personagem central é Irène (Rebecca Marder). Ela é uma garota judia que sonha em fazer carreira nas artes cênicas enquanto atua como recepcionista no que parece ser um teatro. Logo no início, o espectador se depara com uma Rebecca empenhada em fazer bonito em um teste no qual interpretará um trecho de uma obra (“L’Épreuve”) de Marivaux, visando entrar no Conservatório.

A alegria e a pureza que a garota de 19 anos traz nos olhos se reflete por meio também do humor. Por meio dele, ela trata inclusive de pregar alguns sustos na família (quase traquinagens). A estudante, vale dizer, divide um pequeno apartamento com o pai, André (André Marcon), além da avó, Marceline (Françoise Widhoff, maravilhosa), e o irmão, Igor (Anthony Bajon).

Ao mesmo tempo, o despertar de seu lado mulher a leva a compartilhar confidências íntimas com a avó e as amigas. As conversas são tanto sobre o garoto com o qual eventualmente sai, quanto com Jacques (Cyril Metzger), o ajudante do médico que a faz incorrer em mentiras só para ter a chance de voltar mais vezes ao consultório.

A Garota Radiante. Sandrine Kiberlain.

Nuvens plúmbeas no horizonte

O curso da vida seguiria neste compasso, despreocupado, não fosse a ameaça que se delineia no horizonte – a crescente onda antissemita. No caso do filme, o primeiro alerta vem do desaparecimento sem explicação do colega com o qual Irène dividiria a apresentação de sua cena. À época do chamado Regime de Vichy, cerca de 10 milhões de judeus deixaram suas casas rumo ao sul da França (considerada zona livre), para deixar o país.

Como o filme retrata, naquele 1942, os judeus, sem outra escolha, vão se submetendo cada vez mais a uma série de restrições de circulação pela capital francesa. Tendo, inclusive que se identificarem com um carimbo nos passaportes ou mesmo trazer um escudo amarelo com a estrela de Davi na vestimenta. Os olhares enviesados, vindos inclusive de franceses, recrudescem. Não bastasse, as famílias têm que entregar vários de seus pertences, como as bicicletas e telefones, ao governo.

O clima na família de Irène em pouco tempo passa a vibrar na frequência da tensão. Quando Irène se atrasa após um rendez-vous com o jovem médico, por exemplo, ela, ao chegar em casa, encontra o pai não menos que transtornado, dado o terror de pensar no que teria acontecido à menina – afinal, eram tempos sombrios para a humanidade.

No andar da carruagem, os belos olhos azuis de Irène são cada vez mais frequentados por lágrimas. Seu semblante se anuvia com a consciência de que sua origem, mais do que não ser bem-vinda naquela França, pode ter consequências dramáticas.

Escolhas acertadas

Nas entrevistas, Sandrine Kiberlain, que descende de judeus poloneses, conta que o filme não é, de jeito algum, biográfico, mas admite que imprimiu a seus personagens alguns traços de sua família. Um exemplo é que seu pai era flautista, instrumento que o irmão de Irène toca.

As escolhas da diretora resultam em um filme que trata de um tema extremamente pesado, mas que leva o espectador a momentos de respiro. Propiciados pelo amor à arte (sempre a arte, como alento) nutrido por Irène, pela sua rede de amizades (constituída por jovens que estão longe de segregar a garota, mesmo não sendo judeus – e, aí, destaque para a carismática presença da atriz India Hair, como Viviane) e, sobremaneira, pelo afeto que permeia a relação da pequena, mas unida, família.

Irène condensa o tal frescor da juventude, que faz com que as pessoas dessa faixa etária se lancem sobre a vida com ardor e avidez, sem filtros e sem freios. Ainda que muitas vezes acabem indo de encontro às tais barreiras que, infelizmente, fazem da história da humanidade uma eterna luta do bem contra o mal.

A Garota Radiante. Sandrine Kiberlain.

Tempos sombrios

Em tempo; estima-se que cerca de 75 mil judeus que moravam na França foram mortos durante o período da Ocupação, muitos deles inclusive em Auschwitz. Este número representa nada menos que um quarto da população judaica do país à época. Muitos desses (cerca de 13 mil, sendo mais de um terço, crianças) foram detidos na prisão em massa de judeus ocorrida em Paris em julho de 1942.

O episódio ficou conhecido como “batida do Vel d’Hiv” (referência a Velódromo de Inverno, local no qual eles ficaram confinados antes de seguir, em comboios, para os campos de concentração). Ano passado, o atual presidente da França, Emmanuel Macron, participou das homenagens aos mortos por ocasião do 80º aniversário da batida.